Lago Tinquilco, Pucón.
No dia 15 levantamos acampamento, nos despedimos do Lago Tinquilco e do camping Olga, e partimos de volta a Pucón, saindo do Parque Nacional Huerquehue com a certeza de ter passado por um dos locais mais belos de toda a viagem. Deixamos lá duas coisas por fazer para um próximo verão: a trilha "Los Lagos" e o banho nas termas a noite.
Em Pucón, ao chegar, fomos direto matar a fome em uma lancheria e procurar hospedagem. Resolvemos ir para um hostel para descansar um pouco da vida de barraca. Achamos um bem legal, Hostel Sofia (na rua Brasil, 660), onde ficamos em um quarto para os cinco com banheiro privado, wifi, uma cozinha enorme e sala super confortável, com sofás grandes e com TV a cabo. Na pousada estavam também uns australianos com caiaques de corredeira, certamente para a descida do rio Trancura, conhecido no mundo todo.
Marco e Gi em frente a Mountain Life Adventure.
Resolvida a questão da hospegagem, fomos em busca de uma operadora para agendar a subida ao vulcão Villarica. Atualmente a CONAF, órgão que regulamenta os parques nacionais no chile, só permite a escalada ao cume do Villarica com acompanhamento de um guia de montanha. Um dos motivos é que no ano passado houve uma avalanche, onde um brasileiro sofreu uma queda considerável (mas ficou bem depois). O Marco, que estava nos acompanhando, tem larga experiência com escalada em rocha e montanhismo, e trabalha há bastante tempo com resgate em altitude (prestando serviços também para indústrias, em situações de risco e resgate de operários). Entretanto, não estava com sua carteira de montanhista no Brasil, de forma que não poderíamos subir sem contratar um guia chileno. Conseguimos então por um preço melhor que a média contratar o pessoal da Mountain Life Adventure, e a aventura ficou marcada para as 6hs da manhã do dia seguinte.
Após uma noite confortável em uma cama, e um café da manhã preparado pela Gi, partimos para o local de encontro, na operadora, somente com nossas mochilas leves com água, lanche (incluindo balinhas, que descobrimos na prática, no Aconcágua, serem ótimo "lanche" de trilha, pois vão liberando o açúcar aos poucos diminuindo a fome e a lezera, e que desde então são obrigatórias para qualquer trekking), luvas de ski, tocas, balaclavas e casacos e calças impermeáveis. A operadora fornece todo o equipamento necessário: capacetes, crampons (pinos de ferro para as botas, para caminhar na neve), piolet (uma espécie de picareta), polainas (para não entrar neve nas botas), mochilas e inclusive as roupas impermeáveis, mas preferimos usar as nossas.
Gi em frente ao furgão preto da "Operação"
Da operadora partimos com o guia principal, Jason, mais dois assistentes de montanha e outros três "turistas". Nossa condução era um furgão preto, com vidros escuros. Com capacidade para 12 pessoas, parecia mais que estávamos indo para um assalto a banco do que para o vulcão, lembrando filmes como "Breakpoint" e "Cães de Aluguel". A ida já foi divertida, embalada pelas bobagens da Gi e do Marco.
Após uns 40 minutos chegamos ao Parque Nacional Villarica e um pouco mais adiante a base do vulcão. A imagem era impressionante, uma montanha nevada e fumegante, na forma de um cone apontado para o céu. O furgão nos levou até o local onde pode-se tomar um teleférico para subir direto aos 1400m (utilizado por esquiadores no inverno). Utilizar a condução era opcional, e óbvio que em um grupo como o nosso a escolha foi fazer o percurso caminhando, desde a base do vulcão.
Início da caminhada rumo ao cume do Villarica.
O início da trilha foi em rocha e terra, com os banquinhos do teleférico passando uns 15 metros acima das nossas cabeças. Após uns 45 minutos de uma subida forte, chegamos a área onde se iniciava a neve. Um pouco arrependidos de ter feito o início a pé (pois já nos sentíamos exaustos), nos preparamos para a verdadeira subida rumo ao cume, pela neve. Crampos colocados nas botas, piolets em mãos, luvas e casacos para o frio, óculos de sol no rosto, iniciamos a subida após uma breve explicação do guia Jason sobre como caminhar na neve sem se machucar com os crampons, utilizar o piolet como apoio e para freiar em caso de escorregarmos montanha abaixo (é, bem "animador" mesmo).
Nosso grupo rumo ao cume.
Parada para descanso e lanche
E assim começou o desafio do dia: alcançar os 2847 metros de altitude do vulcão Villarica, uma subida fortíssima que nos tomou 5 horas de caminhada, 90% do tempo em zigue-zague pela neve. Realizamos ao todo 3 paradas maiores (15 min.) para lanche, água e até um xixi na neve (que dá uma culpa e pena de fazer, pois dá pra sentir que estamos agredindo a natureza em um local tão belo e singular). Em alguns momentos a sensação era de que não terminaria nunca. O cume as vezes parecia perto, e em outros momentos muito distante. Principalmente quando olhávamos e víamos umas "formiguinhas" alguns metros mais acima, percorrendo os caminhos que faríamos em seguida. A vista da região ficava mais linda a cada metro escalado. Era possível avistar o vulcão Lanin e o Quetrupillan, que também tínhamos visto do Cerro San Sebastián no Parque Huerquehue. Abaixo de nós, antes do solo, nuvens espessas que pareciam um mar branco, com montanhas que despontavam como ilhas negras.
Outro gupo mais acima, na antiga estação do teleférico.
Tínhamos até as 14hs para alcançar o cume, sendo que chegamos nele as 12h15min. A sensação é aquela mesmo que se espera, de vitória, de conquista. Naturalmente sai da boca de todos um "graças a deus". A nossa frente, a grande cratera, mais ou menos do tamanho de um estádio de futebol. Alguns cientistas estavam no local com equipamentos de aferição e um longo cabo estendido de um lado a outro da cratera, que expelia fumaça sem parar. Ao tentarmos nos aproximar, fomos recebidos por uma fumegada de um gás morno e sufocante: enxofre. Mesmo com lenços ou balaclavas no rosto era impossível ficar próximo. A fumaça era muito forte, queimava os olhos, narinas, com um odor nauseante. Realmente bloqueava a respiração. Ficamos por ali, explorando uma das bordas e fugindo da fumaça por uns 20 minutos, até que os guias nos chamaram para iniciar a descida.
Finalmente, eu e a Gi no cume.
Começamos a descida a pé, pelo mesmo caminho, até chegarmos a um ponto mais seguro onde os guias nos indicaram que iniciaríamos a descida de outa forma, de "ski-bunda". Dentro das mochilas carregávamos um outro equipamento específico para a atividade. Uma espécie de capa bem grossa de cordura (mesmo material utilizado em mochilas e coletes de mergulho), que deveriam ser fixadas a nossa cintura e pernas, protegendo nossos traseiros da neve gelada. De início confesso que fique com bastante medo, pois não gosto nem um pouco de descidas em velocidade (como as de montanhas-russa e parques aquáticos). Mas após um pouco de receio, e apoio da Gi, resolvi me arriscar. Iniciei a descida colado na Gi, mas assim que senti confiança no uso do piolet para reduzir a velocidade e travar se necessário, literalmente me soltei e desci "xispando" montanha abaixo. A sensação era muito legal. Por vezes descíamos por canaletas formadas por descidas anteriores de outros montanhistas. Com as pernas acabávamos formando pequenas correntezas de neve nas canaletas, e em um momento cheguei a descer flutuando em um rio de neve arrastada pelo meu próprio peso. Foram várias descidas que nos levaram de forma muito mais rápida a base do que se caminhássemos todo o percurso da volta.
Algo que nos impressionou mais uma vez foi a mudança rápida do clima. Subimos com um céu azul e, na metade da descida, já estávamos com um céu encoberto e uma densa neblina alcançando a montanha. Quando olhei para cima e não vi mais o cume, devido a neblina branca que havia se formado, entendi porque um dos guias nos apressava para a descida. Incrível como conhecem a montanha, pelo tempo de experiência no local, algo que confirmamos conversando com o guia Elias posteriormente. Agradeci a mim mesmo por ter decidido descer de "ski-bunda", senão estaria lá no meio da neblina com todo o vulcão para descer.
Gustavo próximo a cratera do Vulcão (Gi ao fundo).
Já de volta ao furgão da "esquadrilha da morte", o sono e a fome batendo, e a sensação de realização, quase que não acreditando que tínhamos subido tudo aquilo e enfrentado o grande esforço que foi chegar ao cume do Villarica. Ali um único desejo: o de um banho bem quente para descongelar os ossos e os pés molhados pela neve na descida. Até mais Villarica.
Mais fotos no Flickr.
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